Por Fred Rocha,
especialista em varejo e consumo
Ao longo da minha jornada como pesquisador e empreendedor, percorri o Brasil de ponta a ponta — literalmente. Conheci os bastidores do comércio nas grandes capitais e nos pequenos distritos, nas feiras livres, nas vendas de beira de estrada e nos shoppings sofisticados. Mas fui além das nossas fronteiras. Já estudei o comércio em 33 países, observando a transformação nos formatos de venda, nas relações de consumo e, principalmente, no comportamento das pessoas.
Criei 19 empresas e, ao longo desse caminho, aprendi com os erros, comemorei os acertos e desenvolvi uma sensibilidade para enxergar as mudanças do mercado antes que elas se consolidem. E há uma percepção que não me sai da cabeça: o modelo tradicional das entidades de classe, da forma como conhecemos hoje, envelheceu. E envelheceu mal.
Mas atenção: eu não escrevo este artigo para decretar o fim dessas instituições. Escrevo para propor um novo começo — mais humano, mais leve, mais conectado com o tempo presente e com o futuro que já começou.
As raízes do associativismo no Brasil
A história das entidades de classe no Brasil começa na Bahia, ainda no século XIX. Surgiram da necessidade dos comerciantes locais se unirem para proteger seus interesses, organizar a atividade econômica e representar coletivamente o setor. Era um movimento legítimo, baseado no propósito comum e no fortalecimento da comunidade.
Essas entidades tiveram papel fundamental no desenvolvimento das cidades. Eram referências locais, geravam oportunidades, promoviam eventos relevantes e conectavam pessoas. Tiveram sua importância histórica reconhecida, com justiça.
Um modelo que não acompanhou a transformação
Com o passar do tempo, muitas dessas entidades se transformaram em estruturas rígidas, engessadas por regulamentos, processos burocráticos e um formato hierárquico que já não conversa com a realidade atual. O foco passou da causa para a arrecadação. O pertencimento se perdeu em meio a assembleias formais e coffee breaks repetidos.
Os eventos se tornaram previsíveis, os discursos institucionalizados demais e a linguagem, muitas vezes, desconectada do público real. Resultado: associados que desaparecem, jovens que não se interessam e diretores que, apesar das boas intenções, não sabem por onde recomeçar.
A nova realidade dos negócios e do comportamento
Enquanto isso, o mundo lá fora virou de cabeça para baixo. O consumidor de hoje é mais autônomo, mais bem informado e com menos paciência para o que não entrega valor. A concorrência não é mais só a loja da frente — ela é invisível, digital, personalizada. Está no bolso do cliente, no celular, 24 horas por dia.
Plataformas, marketplaces e aplicativos mudaram o jogo. E enquanto muitos tentam se defender do digital, há outro movimento em curso que passa despercebido: o renascimento do interior.
Como escrevi no artigo “O Fim do Interior”, estamos vivendo um fenômeno de retorno ao interior — não apenas físico, mas cultural e econômico. As pessoas estão resgatando o valor da comunidade, da vida local, da experiência próxima e significativa. E é nesse ambiente que uma nova forma de entidade de classe pode (e deve) florescer.
O novo associado e sua expectativa
O perfil do associado também mudou. Ele não busca mais status, tampouco crachás ou eventos formais. O novo associado quer conexão real, quer ser ouvido, quer aprender e evoluir com quem vive os mesmos desafios. Quer pertencer a algo que faça sentido, que esteja presente no seu dia a dia, que o ajude a prosperar — pessoal e profissionalmente.
Hoje, a pergunta que paira no ar é simples e direta: “Como essa entidade melhora minha vida?”
Se essa resposta não estiver clara, ele simplesmente se desliga — e com razão.
Essa dificuldade de conexão com o novo perfil de associado não é um desafio exclusivo das entidades de classe. Ela se repete, com nuances semelhantes, em muitos clubes de serviço e entidades sociais tradicionais, como o Lions, o Rotary e a própria Maçonaria. Todos eles enfrentam hoje um lento — mas visível — declínio na renovação dos seus quadros. Jovens empreendedores, que outrora viam nessas instituições um espaço de status e influência, hoje buscam ambientes mais fluidos, colaborativos e com resultados mais tangíveis. A rigidez dos rituais, a lentidão nas decisões e a dificuldade de gerar impacto prático afugentam justamente aqueles que poderiam garantir o futuro dessas organizações. O que está em xeque não é o valor dessas instituições, mas sim o formato como elas tentam se manter relevantes num mundo onde a experiência vivida, o conteúdo aplicável e a sensação de pertencimento real valem mais do que títulos e cargos honoríficos.
A confraria como ponto de partida
A resposta para esse novo tempo talvez não esteja nas reuniões de diretoria, nem nos relatórios anuais. Ela pode estar numa roda de conversa. Num encontro informal, mas cheio de propósito. Numa boa prosa, ao redor de um fogão aceso, com escuta ativa, conteúdo relevante e conexão humana.
A Confraria do Fred nasceu assim. E hoje já está em edições avançadas, recebendo personalidades de todo o Brasil. No momento em que escrevo este artigo, estou a caminho do aeroporto para buscar a campeã do MasterChef Brasil do último ano, que estará cozinhando conosco na confraria de amanhã — um encontro que mistura gastronomia, vivência e conhecimento de forma única.
A proposta é simples: criar um ambiente onde empresários se sintam à vontade, inspirados e acolhidos. Sem terno e gravata, mas com conteúdo e pertencimento. E o mais importante: com resultado.
Essa proposta não é isolada. O sucesso de iniciativas como o G4 Club e outras confrarias pelo país demonstra que os empreendedores estão dispostos a pagar — muitas vezes cifras elevadas — por experiências onde o conhecimento, o networking e o entretenimento se entrelaçam de forma inteligente. Isso não tem a ver com preço, mas com valor percebido. E isso, as entidades de classe precisam compreender.
Conhecimento que transforma
Na confraria, aplicamos o conceito de edutainment: uma forma de transmitir conteúdo com leveza, emoção e profundidade. As pessoas aprendem, se emocionam, se conectam — e saem transformadas. Elas voltam para seus negócios com vontade de aplicar o que ouviram, de mudar o que precisa ser mudado.
A entidade de classe precisa voltar a ser esse lugar de inspiração, de ação e de troca. Precisa sair do papel de “representante” e assumir o de “facilitadora”. Isso inclui gerar conteúdo relevante, formar redes de apoio e oferecer produtos e serviços que ajudem de verdade o empreendedor.
Dados, sim. Mas com alma
É claro que a tecnologia tem seu papel. Não há futuro sem dados. Mas também não há futuro sem alma. É preciso criar painéis de inteligência local, sim. Ajudar o associado a tomar decisões com base em dados confiáveis, claro. Mas tudo isso precisa estar conectado a um propósito maior: melhorar a vida das pessoas e fortalecer os territórios.
Um novo modelo de entidade
Reestruturar uma entidade de classe não é tarefa simples. Mas é totalmente possível. A transformação começa pela escuta, pela humanização das relações, pela criação de experiências com propósito.
E é nesse ponto que ofereço mais do que uma confraria. Ofereço também uma mentoria estratégica personalizada para entidades de classe que desejam reorganizar suas estruturas, renovar sua proposta de valor, criar novas linhas de receita e se reposicionar como referência em suas regiões.
Não é uma fórmula mágica. É um processo profundo, feito com base em experiência prática, escuta verdadeira e ação concreta.
Conclusão
O associativismo não morreu. Mas ele precisa renascer.
Renascer no afeto, na escuta, no propósito. Renascer com menos formalidade e mais presença. Com menos estatuto e mais significado. Com menos protocolos e mais pessoas.
Se você faz parte de uma entidade de classe e quer dar esse passo, saiba que a Confraria do Fred pode ser o início dessa virada. E eu estarei com você nesse processo — não para ditar regras, mas para cocriar caminhos.
Porque, no fim das contas, inovação não é sobre tecnologia. Inovação é sobre gente.
*Fred Rocha é especialista em varejo e consumo
O post Do fim ao recomeço: o futuro das entidades de classe no Brasil apareceu primeiro em Varejo S.A.