Liderar é mais que bater metas, e as “roupas do passado já não servem mais”

Ao assumir um papel de liderança, as felicitações são frequentes, mas Pedro Mandelli, professor da FDC e especialista no tema, aponta para outra direção: coragem. Em uma era onde as demandas organizacionais estão em constante evolução, Mandelli argumenta que 80% das habilidades necessárias para liderar de forma eficaz podem ser aprendidas, desafiando a noção de que liderança é inerente ao DNA.

Em uma entrevista reveladora, o professor compartilha sua visão sobre o real papel de uma liderança transformadora, destacando a importância de apontar o caminho sem necessariamente fornecer todas as respostas e liderar as emoções dos colaboradores e adaptar-se às mudanças no ambiente de trabalho.

Nesse contexto, ele adverte contra a adoção de modelos antiquados de gestão, que podem resultar em liderança tóxica e infantilização das equipes. À medida que as organizações enfrentam desafios cada vez mais complexos, Mandelli reforça a necessidade de avaliar o equilíbrio emocional dos colaboradores e capacitá-los com as habilidades necessárias para enfrentar os desafios de suas posições. Confira abaixo a conversa na íntegra, onde ele lança luz sobre os princípios e práticas essenciais para se tornar um líder verdadeiramente eficaz na era atual.

Existe uma máxima popular de que uma pessoa “nasce líder”. Qual é a sua visão sobre isso? A liderança é um dom ou deve ser desenvolvida?

Nas linhas de pesquisas do mundo inteiro, existem algumas pequenas controvérsias. O que a gente sabe hoje, com base nas melhores pesquisas existentes, é que em torno de 20% dessa aptidão pode ser que a pessoa traga dentro do seu DNA, dos valores e dos traços de personalidade. Mas 80% a gente aprende.

80% do talento para ser um bom líder pode ser aprendido e não “está no DNA”, diz Pedro Mandelli
Então, mesmo que você não nasça com esses 20%, aprendendo 80% se consegue exercer uma excelente liderança. A liderança é fundamentada em conceitos, técnicas, táticas e ferramentas. É algo que precisa ser aprendido. O poder aliado à habilidade de relacionamento historicamente dava certo controle emocional sobre as pessoas. Mas as pessoas mudaram, os negócios mudaram e, de 2017 para cá, felizmente, se determina que liderança precisa ser estudada.

Como a liderança pode influenciar novos comportamentos para a construção de times alinhados aos desafios organizacionais?

Saber liderar necessita de que o time que o cerca pactue das mesmas direções, princípios e valores. Essa pactuação caminha por duas vertentes. A primeira é você servir de exemplo de valores e de comportamentos. E a segunda é alinhar as pessoas a isso. Só que o trabalho de alinhamento tem de ser precedido pelo trabalho de ser o exemplo. Você não pode alinhar sem ser o exemplo.

Então, há uma necessidade forte do líder de entender o seu papel. O líder, em tese, não pertence à equipe. Ele está na equipe, mas ele tem um papel de força, de formá-los, desenvolvê-los, obter resultados constantes. E, mais forte do que isso, as pessoas requerem um bem-estar enquanto trabalham. Então, só o relacionamento deixou de funcionar.

Realmente, de 2017 para cá, a liderança ocupa o papel fundamental de criar um único caminho em termos de valores, comportamentos e atitudes rumo aos objetivos. Para liderar precisa buscar algo mais à frente e criar nas pessoas a sensação de que vale a pena estar lá.

Qual é o maior dilema dos líderes no contexto atual das organizações?

A liderança convive hoje com vários dilemas. É sobre como lidar com o desconforto de forma confortável, sobre trabalhar de forma humilde, mas mantendo uma confiança enorme… Mas o dilema central é entre concentrar ou delegar. Qual é o limite disso?

Se o líder concentra demais, se torna subordinado. Se descentraliza demais, cria um clima de ‘laissez-faire’ que não é nada benéfico para a produtividade e para a obtenção de resultados. Esse dilema acompanha toda a liderança, porque não existe a fórmula correta.

E como achar esse equilíbrio?

O que temos é uma substituição total do que chamamos de ‘comando e controle’, no qual você tinha a frase “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A frase nova é “manda quem pode, obedece quem não tem para onde ir”. Então, me parece que o concentrar não funciona tanto.

Por outro lado, nós estamos dentro das empresas como pessoas que querem aprender, e muito rápido. E esse aprendizado muito rápido força a liderança a tomar as rédeas de quanto a pessoa aprende por dia ou por mês. Enquanto isso, precisa produzir um resultado.

Qualquer pessoa ativa e atualizada, em qualquer idade, não aceita um chefe tóxico, um chefe que não oriente, um chefe que não obtém a melhor versão dele. E tudo isso aliado ao bem-estar. Ou seja, a liderança hoje não é mais um cargo.

Quando uma pessoa passa a ocupar um cargo de liderança, as pessoas falam “Parabéns!”. Mas eu costumo dizer: “Coragem!”.

O bom líder é o que tem todas as respostas ou o que mostra os melhores caminhos?

Uma das características mais fortes da liderança é apontar o caminho, mas não necessariamente dar todas as respostas. O líder diz para onde vai, ele obtém o máximo do seu grupo na montagem de cada peça do caminho. Ele trata pessoa a pessoa dentro do seu time, de acordo com as necessidades individuais, sempre em uma relação adulto-adulto, de forma transparente e sem infantilização.

O líder não tem que ter todas as respostas, porque o caminho do que está sendo construído é sempre o caminho no escuro, não é pronto. Então, eu costumo falar assim: “Senhor líder, daqui há três anos, quando você deixar a sua área, se for deixar, como é que ela vai estar?” Se ele não souber essa resposta, ele não consegue indicar caminhos. Ele vira um batedor de metas e somente ser um batedor de metas tem sido pouco para liderar a emoção das pessoas.

“Um bom líder vai muito além de ser um batedor de metas”

Qual é a importância do autoconhecimento para um líder exercer, de fato, uma liderança transformadora?

A chamada ‘Liderança Transformadora’ tem dois blocos. O líder como líder e o líder trabalhando com outras pessoas. Isso quer dizer que o líder precisa dele, precisa conhecer as suas questões de equilíbrio emocional, seu nível de otimismo, e se suas atitudes estão provocando uma reputação de que vale a pena trabalhar com ele.

Hoje, a onda que está presente é que a gente não trabalha mais para empresas, a gente trabalha para as pessoas da empresa. E as pessoas têm que valer a pena.

Então, tem o líder tendo de buscar verdadeiros programas de aconselhamento e consultorias individuais para que ele revise as suas práticas, trabalhe seus vários níveis de reputação, de competências, de equilíbrio emocional, de otimismo ou pessimismo. Hoje, contamos com diversas ferramentas ótimas para o autoconhecimento.

O líder precisa falar “Eu preciso saber mais de mim nessa realidade nova”, porque a gente se conhece, mas se conhece no passado. A gente não se conhece com a realidade das pessoas em 2024.

Você falou recentemente sobre o ‘heroísmo gerencial’. Pode explicar esse conceito e os cuidados que o líder deve ter em relação a ele?

Quando a gente analisa os últimos 25 anos, as pessoas vão ocupando posições de liderança a partir de posições técnicas. É um técnico que vira supervisor, que vira gerente e vai carregando o peso de ter as soluções. Então, ele acaba virando uma solução à procura do problema.

Quando o líder concentra as soluções, é porque ele julga ser mais rápido. Ele não quer perder tempo desenvolvendo o time para ter soluções. Portanto, ele dá soluções. Quando ele dá todas as soluções, ele adapta as pessoas que trabalham com ele a subordinar-se às suas soluções. Então, aí aparece a relação chefe-subordinado.

O heroísmo gerencial caminha diretamente para o microgerenciamento. Ou seja: o diretor vira gerente, o gerente vira supervisor e o supervisor vira executante.

Então, como melhorar a relação líder-liderado?

Isso acontece quando o líder consegue, a cada problema, utilizar a máxima potência das pessoas do time. Como? Fazendo perguntas. Há uma série de táticas para isso, mas sempre fazendo perguntas. É importante perguntar às pessoas, sempre que elas trazem um caminho: “Esse caminho que você está me dando, você fez na sua melhor versão? Com quem você conversou para chegar a essa conclusão? Você percebeu o risco disso ou não?”

Quando o líder faz perguntas que lastreiam o conceito de confiança, a pessoa fala “Opa, deixa eu pensar mais um pouco para trazer a minha melhor versão. Conversar com dois ou três pares”.

Com isso, ao longo de um mês, o líder verá sua equipe trazendo as coisas mais prontas, bem elaboradas e tomando o espaço do microgerenciamento.

A confiança e colaboração são dois pilares essenciais da liderança. Como eles estão relacionados ao bom desempenho de uma equipe?

A confiança e a colaboração aparecem com muita força entre 2012 e 2014. Em certas empresas um pouco antes, em certos segmentos um pouco depois. A confiança seguida de baixa complacência veio para substituir o ‘comando e controle’. O líder confia nas pessoas e dá retorno para elas.

Cada vez que a pessoa performa abaixo do esperado, é preciso dar o retorno sem machucá-la, para gerar confiança. E quando ela performa muito acima, trocar o ‘Parabéns’, que já caiu em desuso, pelo ‘Você me surpreendeu’, que é muito mais atual.

E a colaboração, tendo em vista que as empresas estão ficando cada vez mais flats em suas estruturas, as pessoas precisam aprender a transitar. Elas têm de ter mais autonomia para fechar um certo assunto aqui e outro ali, para perguntar ao líder “O que eu estou fazendo está bom para você? Eu posso ajustar para fazer melhor?”

Então, é preciso instalar os conceitos de confiança e de colaboração dentro dos times, principalmente em suas interfaces.

De que forma o nível de maturidade pessoal de um líder influencia na maturidade profissional de sua equipe?

Essa questão da maturidade de um time e, consequentemente, a maturidade para liderar, tem sido um “calcanhar de Aquiles” das organizações. Hoje em dia, as pessoas ocupam posições de liderança muito cedo.

Por um lado, elas não têm a experiência. Mas, por outro, a experiência de 15 anos atrás serve para quê? O mundo mudou muito por conta da diversidade, inclusão, transformação digital, inteligência artificial, pandemia… Ou seja, o que o líder sabia lá atrás já não funciona hoje.

Existem líderes de idade mais avançada que, para a situação de hoje, se comportam de maneira infantil e perdem as pessoas. Tudo porque exercem um tipo de relação no modelo antigo. Se você pratica um modelo antigo de gestão com pessoas atualizadas, você cai numa infantilização e vira um líder tóxico. É daí que vem a importância do autoconhecimento, para que a pessoa se sinta atual e adequada aos dias atuais.

Então, é preciso e possível trabalhar os líderes de baixa, média ou alta faixa etária para que eles caibam na posição de liderar pessoas em 2024, 2025 e 2026. Respostas de 2016, 2017 ou 2018 são consideradas jurássicas em termos da necessidade das organizações, das pessoas e dos resultados.

Responder aos desafios atuais como há 8 anos é jurássico no que se refere às necessidades das organizações

Existe boa liderança sem inteligência emocional por parte do líder?

Atualmente, o líder é responsável por produzir resultados dentro da empresa, mas também por gerar senso de propriedade e por desenvolver orgulho de pertencimento no seu time. Sempre aparecem mais problemas do que os técnicos ou referente às metas. E aí, se o líder não tiver o equilíbrio emocional para que ele possa balancear essas coisas e obter sua melhor versão, ele pode se complicar. Inclusive com doenças.

Então, o chamado equilíbrio emocional aparece trabalhando o autocontrole, mas também o relacionamento. Eu acredito que todos os exames médicos periódicos das empresas, que medem triglicérides, colesterol e outras coisas, estão ultrapassados. Isso é feito há 20 ou 25 anos. Nós precisamos passar os colaboradores de todos os níveis por novos mecanismos que mostram se eles estão, de fato, bem para os desafios e suas respectivas posições. E o equilíbrio emocional é o básico.

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