Em uma era marcada por desafios ambientais globais, o papel da agricultura na mitigação das mudanças climáticas nunca foi tão importante. Em entrevista exclusiva ao Seja Relevante, Silvia Massruhá, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), falou sobre as iniciativas da instituição para enfrentar esses desafios, desde a implementação de tecnologias avançadas para monitoramento de emissões de gases de efeito estufa (GEE) até o desenvolvimento de soluções inovadoras para a recuperação de terras degradadas.
Na liderança da Embrapa desde maio de 2023, sendo a primeira mulher a assumir a presidência da empresa, Silvia tem formação na área de tecnologia, o que faz com que tenha uma visão abrangente sobre como as inovações podem contribuir para o aumento da produtividade no campo e a maior resiliência dos cultivares às alterações climáticas. Acompanhe os detalhes.
A maior parte das emissões de gases de efeito estufa do Brasil está associada ao uso da terra. Como a Embrapa avalia as métricas utilizadas para essa conclusão e quais as principais ações a respeito?
A maior parte das emissões de GEE do Brasil está relacionada ao uso da terra, especialmente devido ao desmatamento e às mudanças no uso do solo. A Embrapa desempenha um papel crucial na avaliação e no monitoramento dessas emissões, bem como na proposição de soluções para mitigação. Acreditamos que as métricas são essenciais para que o país possa mostrar ao mundo que a agricultura brasileira é sustentável. Por isso, estamos investindo R$20,3 milhões na construção de uma plataforma, cujo desafio dos cientistas é definir parâmetros padronizados de mensuração de emissão e de absorção de carbono, adaptados às condições de clima tropical.
O projeto prevê o investimento em qualificação de infraestrutura e a formação de uma rede de cooperação em PD&I, que nos possibilite elaborar métodos de medição adequados às condições e ao modelo de produção nacional, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Esses indicadores têm que ser compatíveis com os princípios de TACCC (Transparência, Precisão, Completude, Comparabilidade, Consistência) adotados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e pelas Nações Unidas para o desenvolvimento de Inventários Nacionais de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Inventário Nacional). Além dessa novidade, a Embrapa trabalha com diversas metodologias e ferramentas para avaliar as métricas relacionadas às emissões de GEE.
Poderia explicar quais são e como funcionam essas ferramentas?
Sim, temos três ferramentas. A primeira delas é o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa. A Embrapa contribui para o Inventário Nacional de Emissões de GEE, que segue as diretrizes do IPCC. Esse inventário contabiliza as emissões provenientes de diferentes setores, incluindo o uso da terra.
Outra ferramenta utilizada é a Modelagem e Sensoriamento Remoto, que, por meio de técnicas para monitorar a cobertura vegetal e as mudanças no uso do solo, consegue obter uma avaliação precisa das áreas desmatadas e das emissões associadas.
Por fim, a Embrapa realiza estudos de campo para medir diretamente as emissões de GEE em diferentes sistemas de uso da terra, como agricultura, pecuária e florestas.
A Embrapa avalia que há outras formas de medição das emissões por atividades produtivas?
Sim, sempre haverá novas formas de medir as emissões. Novas tecnologias de sensores e sistemas têm sido desenvolvidos e podem permitir o desenvolvimento de sistemas mais avançados de monitoramento da mudança do uso da terra e de suas forças motrizes – que podem não estar vinculadas à agricultura – , além de maior eficácia na definição de medidas mitigadoras.
O avanço na obtenção de dados de campo sobre nossos sistemas produtivos e o desenvolvimento, adaptação e calibração de modelos matemáticos que representem melhor a realidade dos sistemas de produção tropicais brasileiros podem produzir dados de emissões de GEE integralmente a partir de informações e modelos específicos e mais próximos da realidade nacional do que os estimados em aproximações baseadas (integral ou parcialmente) em dados e modelos padrão do IPCC. É, porém, necessário que esses novos modelos e métodos de medição ou estimativa sejam publicados e reconhecidos internacionalmente, para dar a credibilidade necessária aos nossos Relatórios Bienais de Transparência (BTR, na sigla em inglês) e aos créditos de carbono que o país pretenda comercializar.
Como a Embrapa está envolvida na missão externada pelo Ministério da Agricultura, que tem o objetivo de recuperar 40 milhões de hectares de terras degradadas?
O Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) visa restaurar a produtividade e a sustentabilidade ambiental dessas áreas. Esse programa é fundamental para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, melhorar a qualidade do solo e aumentar a produtividade agrícola. A Embrapa estará presente em várias etapas do projeto, desde do Diagnóstico e Mapeamento, que envolve a identificação e avaliação do grau de degradação, até as tecnologias e práticas de recuperação, pois temos um conjunto de soluções tecnológicas que contribuem para uma agricultura sustentável com baixa emissão de carbono: integração lavoura-pecurária-floresta (ILPF), bioinsumos, melhoramento genético de cultivares e de animais, para tornar os plantios e os rebanhos mais resilientes às mudanças do clima.
Com relação à capacitação de técnicos e da extensão rural, a Embrapa atuará na formação de multiplicadores, oferecendo cursos, workshops e treinamentos para técnicos que, por sua vez, irão treinar os produtores rurais.
Qual é a importância desse movimento para as metas de emissões de gases de efeito estufa do Brasil?
O programa será de fundamental importância para as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Dentre os resultados, o que se espera é que a adoção das tecnologias já citadas contribua para o aumento do sequestro de carbono, pois o seu conjunto, quando implementado, gera, por exemplo, o aumento da biomassa disponível no solo e a melhora da sua qualidade: práticas de recuperação de pastagens aumentam a matéria orgânica no solo, que é uma forma significativa de armazenamento de carbono. Além disso, podemos citar a redução do desmatamento, a diminuição da pressão sobre as florestas, entre outros ganhos de sustentabilidade ambiental.
Isso também visa contribuir globalmente, tanto para a questão das emissões quanto para a segurança alimentar?
O Brasil estabeleceu metas ambiciosas nas suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), no âmbito do Acordo de Paris, e a recuperação de pastagens degradadas é uma das principais ações para atingir esses propósitos. Estima-se que a recuperação de milhões de hectares de pastagens degradadas possa evitar a emissão de grandes quantidades de CO2 equivalente. Para se ter uma ideia, o governo brasileiro fez, recentemente, uma revisão de suas metas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, se comprometendo a reduzir em 48% as emissões até 2025, ou seja, até o ano que vem, e, em 53%, até 2030, chegando a emissão líquida zero em 2050. Portanto, o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis, além de ser uma prática sustentável, garante a segurança alimentar e reduz o impacto das mudanças climáticas, pois visa a intensificação da produção de alimentos, sem avançar no desmatamento sobre as áreas já preservadas e com práticas que levem à não emissão de carbono.
A Embrapa integra o Comitê Gestor Interministerial do programa, criado justamente para implementar, em parceria com estados e municípios, as tecnologias voltadas para a recuperação de pastagens degradadas. Temos muitas soluções tecnológicas para ofertar, bem como capacitação de multiplicadores. Acreditamos que a intervenção sobre essas áreas, com a adoção de práticas sustentáveis, proporciona aumento de produtividade, melhor conservação do solo e da água, aumento de fertilidade do solo, sequestro de carbono, além de outros benefícios. Além disso, pode contribuir para promover o desenvolvimento sustentável, a geração de renda e a redução de pobreza e de desigualdades. A colaboração com instituições de pesquisa como a Embrapa garante que as práticas recomendadas sejam baseadas em evidências científicas e adaptadas às condições locais.
Nos últimos anos, o agronegócio figurou como um dos principais setores econômicos do Brasil. Dado o movimento com compras de máquinas e equipamentos, além de outras tecnologias, alguns especialistas dizem que o setor foi o principal motor da economia. Como você avalia esse cenário e o que a Embrapa espera para o futuro próximo, em termos de participação do agro na economia brasileira?
O agronegócio vai continuar participando ativamente da economia brasileira. Ele foi responsável por 24% do PIB em 2023, e a perspectiva para 2024 é de que fique em aproximadamente 21%. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (CEPEA/USP), a performance do agronegócio foi impactada pela diminuição dos preços e pela queda na produção de vários dos principais produtos. Mas, o ramo pecuário atenuou esse resultado, principalmente devido ao bom desempenho dos segmentos agroindustrial e de agrosserviços.
Quanto mais investimento tivermos na ciência agropecuária, mais o PIB agropecuário impactará a economia brasileira. O desenvolvimento de tecnologias no campo nas últimas cinco décadas possibilitou um aumento de produtividade de 580%, com uma expansão de apenas 140% na área utilizada, o chamado efeito poupa-terra. Em 2023, a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), adotada em 43 milhões de hectares, gerou uma economia de R$ 9,5 bilhões para os produtores.
Poderia citar alguns exemplos de aplicações de tecnologia no campo?
O BiomaPhos, bioinsumo lançado recentemente pela Embrapa e parceiro, é considerado um dos mais significativos casos de sucesso de adoção de tecnologia da Embrapa nos últimos anos. Em 2019 o produto foi utilizado em cerca de 281 mil hectares. Em 2020 essa área foi de 1,4 milhões de hectares. Em 2021, em cerca de 2,6 milhões de hectares, em 2022, 5 milhões de ha. Para 2023-24, a expectativa é de que o mesmo tenha sido utilizado em cerca de 7 milhões de hectares. Ou seja, em 3,5 anos de comercialização, o produto deverá ter sido utilizado em cerca de 9 milhões de hectares no país.
Sua expansão de uso em novas culturas como soja, feijão e cana-de-açúcar deverá reforçar de forma mais positiva esses números. A agricultura de precisão e a Inteligência Artificial na agricultura chegaram para ficar e estão trazendo ótimos resultados para o agro brasileiro, no que diz respeito ao uso mais racional da água e de insumos como fertilizantes e agrotóxicos. Portanto, a contribuição do agronegócio para o PIB será cada vez maior, com o investimento em pesquisas e geração de novas tecnologias. Lembrando que temos grandes desafios pela frente, como as mudanças climáticas, a necessidade de promovermos uma agricultura cada vez mais sustentável e resiliente, com tecnologias que possam ser acessadas por todos os agricultores, principalmente os pequenos e médios.
Como os pequenos agricultores – responsáveis pela maior parte do setor no Brasil – estão sendo considerados na visão de médio prazo da Embrapa, tanto acerca da representatividade econômica do agro quanto sobre as questões climáticas?
O governo federal lançou, neste ano, o Plano Safra da Agricultura Familiar, e a Embrapa tem participado ativamente de articulações e desenvolvimento de parcerias que visam o fortalecimento da agricultura familiar, com foco em inovação e segurança alimentar. No ano passado, assinamos vários acordos com os ministérios para a execução de convênios, totalizando R$ 34 milhões em transferência de tecnologia e inovação para assentados da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares.
Também vamos desenvolver ações de fomento à pesca, beneficiando milhares de pescadores artesanais. Entendemos que os pequenos produtores precisam ter acesso a tecnologias. Temos de incentivar a transição agroecológica e a diversificação de cultivos de alimentos no Brasil, em um momento de impactos das mudanças climáticas, como assistimos às consequências das enchentes no Rio Grande do Sul. Para aquele estado, o governo acabou de liberar para a Embrapa cerca de R$ 20 milhões, para o Recupera Rural RS, de forma a impulsionar as ações emergenciais que já estão sendo desenvolvidas pela Embrapa, com o apoio de parcerias estratégicas, em prol da recuperação da agropecuária gaúcha.
O uso de estratégias como o melhoramento genético também é uma alternativa para combater os danos decorrentes de mudanças climáticas?
Sim. A Embrapa investe em programas de melhoramento, visando a obtenção de cultivares mais tolerantes ao calor, ao déficit hídrico e ao estresse por inundação; também em programas de melhoramento que visam a obtenção de cultivares mais resistentes a doenças e pragas relevantes em cenários de alterações climáticas, além de programas de melhoramento genético para obtenção de cultivares com menor necessidade de uso de agroquímicos. Também estamos trabalhando no desenvolvimento de estufas e sistemas ambientais controlados melhor adaptados às condições meteorológicas projetadas, desenvolvimento e melhoria de sistemas de cultivo regenerativos, como plantio direto para hortaliças, sistemas agroflorestais, sistemas orgânicos, sistemas aquapônicos, entre outros. Em maio deste ano, a Embrapa coordenou o MACS G20, encontro que reuniu representantes de instituições de pesquisa, ciência e agricultura dos países do G20. Segurança alimentar e adaptação de sistemas agroalimentares às mudanças climáticas foram os principais pilares apontados pelos líderes mundiais em agricultura do G20 para garantir um futuro mais igualitário e sem fome para as novas gerações.
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